O pastor e o tatuado

Uma mulher, um bebê, um carro, uma avenida movimentada, uma falha no motor. A mulher, sozinha, desceu do carro em meio ao cruzamento e, com a criança no colo, esperou por ajuda.

Passavam por ali alguns veículos, algumas pessoas, mas dois homens, em dois carros diferentes, por ali passavam e chamaram-me a atenção. Um pastor evangélico e um homem tatuado (com braços e pescoço preenchidos por desenhos) fizeram mais do que olhar o pequeno distúrbio no trânsito que começava se formar. Não hesitaram, agiram.

Naquela manhã de domingo, nenhum deles titubeou ou pensou duas vezes. Deixaram seus carros parados no meio fio com os pisca-alertas ligados e foram de encontro à mulher, seu filho e o carro quebrado. 

Ainda que muito se tenha evoluído em termos de liberdade de escolhas, em nossa sociedade ainda paira uma atmosfera cheia de ódios e preconceitos, uma polarização de gostos e desgostos, de extremos. Criamos todos os dias estereótipos injustos.

Aqui vos fala aquela que teme e sobe o vidro quando o "cara mal encarado" vem em minha direção quando estou parada no semáforo. Quando reflito, entendo que a violência urbana me move (e me paralisa), mas sei que sou injusta por fazer um julgamento precoce. Não o conheço, não sei das suas necessidades, nem da sua história de vida e o porquê precisa estar ali entre os carros. Talvez só venda balas e com elas vive um dia de cada vez.

Quanto ao pastor e ao tatuado, não seria difícil encontrar literais pré-conceitos a respeito daqueles homens: é pastor? "Ladrão de dízimo, ganancioso, aproveitador". É tatuado? "Certamente é bandido, gangster, mau caráter". Não conhecemos profundamente as pessoas, mas as julgamos baseados em "moldes" a nós oferecidos. 

Juntos, o pastor e o tatuado, uniram forças e empurram o carro, aliviando o desespero daquela mulher.

Por que precisavam parar? Se estavam no caminho, certamente tinham um destino final, um compromisso. Parar poderia causar um atraso, uma perda de tempo. É o que muitos que passaram antes pensaram. "Vai vir outro e ajudar, não é comigo".  Mas o coração de ambos ali arderam de compaixão, de solidariedade e de generosidade. Certamente ambos parariam quantas vezes fosse preciso, para quem quer que estivesse naquela situação.

Nossos estereótipos não levam em conta o que vem da alma, que amar ao próximo não tem cara, cor ou cheiro, que caráter não se define pela roupa, estilo ou profissão.

Perguntei à mulher se ela precisava de algo mais naquele instante. Para ela não tinha mais nada a fazer a não ser o que os dois homens já haviam feito. Conduzir seu veículo sem sinal de vida a um lugar seguro até que ela ligasse a alguém próximo para resolver o problema. E, assim, segui meu caminho...


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