Mais uma vez, vende o jornalismo de espetáculo

Parece clichê a afirmação deste título, mas confesso que fico irritada com a cobertura massiva e excessiva dos fatos, como parte da imprensa faz constantemente. Digo isso pelo repercussão do recente caso “Bruno”, goleiro do Flamengo acusado de ser o responsável pelo sumiço da ex-amante.

Sou a favor de uma reportagem concisa e bem apurada. Isso, de fato, implica que o repórter passe horas em frente a uma delegacia, aguardando o delegado ou advogados falarem por segundos sobre o desdobramento do caso.

Porém, programas ditos jornalísticos tornam um fato toda a pauta. Passam a gastar horas falando e falando do caso, de tudo aquilo que já sabemos e ouvimos. Apresentadores gritam e gesticulam, defendendo suas versões, contando e recontando o que aconteceu, repórteres fazendo entradas ao vivo, quando, na verdade, nem mesmo peritos concluíram com precisão laudos que comprovem como aconteceu o crime.

O que acontece é um verdadeiro espetáculo. Uma exibição barata e indiscriminada de vestígios de crueldade e desamor. Supõe-se que o povo goste mesmo de ver, ouvir e respirar tragédia.

O fato, que se torna o único assunto do dia nos tais programas sensacionalistas, abafa todo e qualquer vestígio de que a vida continua, mesmo após atos tão cruéis, motivados por banalidades. Esquecemos que pessoas continuam morrendo bruscamente, que o tráfico ainda domina cidades, que mulheres continuam sendo violentadas.

Isso porque considero apenas o noticiário policial. Não entro no mérito de falar das falcatruas na política ou dos problemas das cidades, desprezados por administrações públicas omissas.

Ao contrário de se utilizar o “jornalismo show”, poderia se aproveitar mais da evolução das tecnologias. Seria possível acompanhar pela web notícias factuais e precisas. Ou ainda rádios e TVs especializadas em noticiário contínuo, dar em momentos periódicos a cobertura merecida do fato.

E por fim, por que não abrir as páginas de um jornal diário na manhã seguinte e acompanhar linearmente o desenrolar de todo o fato no dia anterior? Por que não dedicar minutos de um telejornal para contar cada fato e exibir cada entrevista realizada?


VIOLÊNCIA
Ainda sobre o caso de Eliza Samúdio – a ex-amante do goleiro – , não podemos desprezar um fato, que mesmo com tanta falação em torno do “caso Bruno”, está sendo ligeiramente desprezado. Nada justifica a violência contra a mulher.

Em Limeira, por exemplo, durante o ano passado, 170 mulheres foram atendidas na Casa da Mulher Vítima de Violência. Esses casos são aqueles extremos em que a mulher tem de ser afastada do lar por correr risco de morte se não for retirada da casa.

Os casos vão muito além, a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) da cidade registrou 2.489 casos de violência doméstica, de janeiro a novembro de 2009. São cerca de 7,45 casos por dia.

Em várias rodas de conversas e comentários que presenciei ao longo desses dias de assunto “Bruno x Eliza”, ouvi muitos dizerem que ela era merecedora da morte, culpada pelos fatos, sendo adjetivada entre as menos piores como interesseira e que tentou “subir na vida” às custas do jogador.

Ela poderia de fato ter agido com interesses e ter mérito pelos adjetivos usados para classificá-la. Poderia. Entretanto, dizer que é justificável que uma mulher seja torturada, asfixiada e esquartejada, é abrir precedentes para que casos iguais aconteçam e sejam explicados, ainda que não tenham explicação, permitindo até mesmo que mulheres que vivem à mercê de parceiros violentos tenham fins semelhantes ao de Eliza.

Comentários

  1. Anônimo5:23 PM BRT

    Seu artigo está ótimo. Herança da indústria cultural hoje, infelizmente, a mídia acaba selecionando o que ela acredita, de fato, ser de interesse público. E a massa, fascinada por esse tipo de trabalho, seja pela emoção que esses temas provocam, ou pelo forma brutal como acontecem (neste caso, o assassinato de Eliza), aprova - através da audiência - que esses temas tomem tamanha proporção. É claro que o bom jornalismo que tanto admiramos, com apuração e concisão, também deve ser esclarecedor para a sociedade e deve, de alguma forma, ajudar com que vejamos, de uma forma mais crítica, os terríveis acontecimentos que aqui acontecem... Mas o espetáculo de informações acaba trazendo uma sensação de frustração, de apenas sermos consumidores do que se é informado, não gerando reflexões profundas dentro de nós. O que vale mesmo, e volto a dizer, infelizmente, é o bombardeio das informações! Parabéns, Roxane... Beijos. Ronald Gonçales

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